Saiba as origens do racismo na sociedade brasileira

O assassinato de um homem negro no supermercado Carrefour, em Porto Alegre, levantou novamente uma questão sensível e que diz respeito a toda a sociedade brasileira: somos um país racista? E quais as consequências do racismo? João Alberto Freitas, o homem negro que foi espancado e morto por seguranças do Carrefour, virou manchete e gerou comoção entre a maioria dos brasileiros. A verdade, entretanto, é que não foi um caso isolado. O racismo é um problema endêmico e estrutural e remonta à época da colonização.

O tema é importante e pode cair no vestibular, por isso, o Prime convidou os professores Gabriel (sociologia) e Rozante (história) para explicar sobre as origens e consequências do racismo no Brasil. Somos o cursinho que mais aprova em medicina em Londrina, mas também somos conscientes da nossa responsabilidade para que o Brasil seja um país menos desigual, por isso, te convidamos também a refletir sobre o assunto. Vamos juntos? 

Como surgiu a escravidão de povos africanos no Brasil?

Na época do Brasil Colônia, Portugal definiu que escravos africanos eram melhores trabalhadores que os índios e que deveriam substituí-los. Essa ideia, porém, não foi motivada por força ou aptidão, mas por questões mercantis. Afinal, trazer o escravo da África para o Brasil gerava muito dinheiro para os portugueses pro meio do tráfico negreiro, algo que não ocorria com a escravização de indígenas. Por isso, os portugueses lançaram a ideia de que escravos africanos eram melhores que os índios. Houve envolvimento da Igreja Católica, inclusive, para reforçar esse conceito. Na época, os religiosos catequisavam índios ao mesmo tempo em que alegavam, com explicações bíblicas, que os negros eram descendentes dos pecadores do pecado original e por isso deveriam ser salvos apenas pelo trabalho. Porém, depois de um tempo, a própria igreja abandonou essa ideia e começou a converter os negros. A ideia de que todos os donos de terra deveriam ter escravos africanos, porém, já estava naturalizada no país e ninguém mais questionava tal fato. Detectou a relação com o racismo nessa conversa?

Resistência

Engana-se quem pensa que os negros aceitavam a escravidão passivamente. No período colonial já havia organizações de resistência entre os próprios negros e também de pessoas que os ajudavam a fugir para os quilombos. São exemplos as irmandades como Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e a Sociedade dos Desvalidos de Salvador. Um detalhe curioso é que essas associações também colaboravam entre si em caso de doenças entre os negros e para garantir a eles um enterro digno.

Veio a independência, mas não o fim da escravidão

O Brasil perdeu a oportunidade de acabar com a escravidão na Independência, pois o processo de separação de Portugal foi vinculado à Família Real portuguesa. Ou seja: não houve grande mudança na estrutura social brasileira. A sociedade continuou sendo escravocrata durante todo o período imperial e, apenas no segundo reinado, quando já havia um movimento rumo à abolição por pressões externas, o debate sobre o abolicionismo ganhou forças. Mais uma vez, a motivação era econômica. A Inglaterra queria aumentar o mercado consumidor nas Américas e, como vocês podem imaginar, escravo não recebe salário e não compra nada. Os ingleses por sua vez,  queriam vender mais e por isso baixaram o decreto Bill Aberdeen, que autorizava navios ingleses a bloquearem navios negreiros que passassem pelo Oceano Atlântico. Isso motivou, no Brasil, a proibição do tráfico negreiro, mas não a escravidão. Já deu para perceber que o fim da escravidão não foi motivado por questões humanitárias, certo?

Diante deste cenário, o Brasil iniciou um movimento de substituir a mão de obra escrava por mão de obra livre, o que ocorreu com a vinda de trabalhadores europeus. Iniciou-se então, o processo de branqueamento do país: uma tentativa de tirar a herança racial dos negros e branquear o país, baseada na ideia que negro era subdesenvolvido e os europeus os mais desenvolvidos da história toda.

A abolição

O processo de abolição da escravatura foi lento e árduo. Iniciativas como a Lei do Ventre Livre (1871), que libertava filhos nascidos de mães escravas, e a Lei do Sexagenário (1885), que libertava escravos com mais de 60 anos, foram promulgadas, mas não se mostraram eficientes. Afinal, uma criança recém-nascida não se cria  sozinha, por isso, mesmo livres, permaneciam sob tutela de um  senhor. Escravos com mais de 60 anos, por outro lado, perdiam casa, alimentação e teriam que arrumar emprego e lugar para morar, o que era muito difícil nessa idade. No fundo, a maioria dos escravos nem chegavam a viver tanto tempo para enfrentar essa dificuldade, acabavam morrendo mais jovens. 

No período monárquico, a questão abolicionista também tomou o centro das discussões encabeçadas por negros alforriados e lideranças intelectuais e políticas. Nomes como Joaquim Nabuco, Luís Gama, José do Patrocínio, André Rebolças e Castro Alves, entre tantos outros, organizaram-se em associações abolicionistas para angariar fundos e comprar a alforria dos negros. Essas associações ajudavam também - juridicamente -  pessoas escravizadas ilegalmente, inclusive que chegaram ao Brasil depois da proibição do tráfico negreiro.

Em 13 de maio de 1888, a prinicesa Isabel decretou a Lei Áurea e acabou com a escravidão. Não foi criado, entretanto, qualquer plano de inclusão do negro da sociedade. Eles ganharam liberdade, mas não foram integrados socialmente, pois não tinham acesso à terra, à moradia e à educação, o que  os manteve marginalizados. Para sobreviver, tinham que vender sua força de trabalho por qualquer valor e, com isso, passaram a exercer tarefas desprezadas pelos brancos, o que os mantinha à margem.  Em resumo: o fim da escravidão no Brasil não foi capaz de minimizar o processo discriminatório que dá base ao preconceito racial que existe até hoje.

Movimento negro na República

Com a abolição da escravidão, o movimento negro se tornou mais organizado e passou a divulgar suas reivindicações em periódicos que inicialmente discutiam questões referentes à vida e à cultura negra, mas passaram a denunciar a violência e a desigualdade racial. Concentravam-se principalmente em São Paulo, em mídias como "O Clarim d’Alvorada" (1924-1932) e o "Progresso" (1928-1931). O agrupamento desses periódicos ficou conhecido como Imprensa Negra Paulista.

A república recém-formada, porém, não dava grandes oportunidades para os negros. Assim, a organização do movimento passou para o âmbito político com o surgimento de Frente Negra Brasileira (FNB), em 1931. Sua missão era  integrar o povo afrodescendente à sociedade e denunciar o racismo. Em 1936, a FNB se tornou um partido político que liderava a luta pela igualdade racial, mas logo foi extinta, como todos os outros partidos, com o golpe varguista do Estado Novo, em 1937.

Atenção para o fato histórico: as organizações que se formaram após a proclamação da república conquistaram a primeira lei que determinava punição para qualquer discriminação de raça e cor em espaço público: era a *Lei Afonso Arinos*, promulgada em 1951 por Getúlio Vargas.

Black is Beautiful

Os anos 60 foram fundamentais para a luta do movimento negro, principalmente pelo exemplo e pela influência de ativistas dos Estados Unidos.  Lideranças como Malcom X e Martin Luther King Jr, assim como o movimento Black Power, trouxeram uma nova visão do negro sobre si mesmo, com o lema “Black is Beautiful”. O soul, o jazz e o blues, entre outros ritmos, influenciaram diretamente a música brasileira e o comportamento da juventude negra. 

Os Estados Unidos viveram décadas de segregação racial que terminou somente no ano de 1964. A luta pelos direitos civis, aliás, ainda tem reflexos na sociedade atual, como podemos observar em movimentos recentes como o  ‘Black Lives Matter”. Uma das conquistas do movimento estadunidense, nos anos 1960, que levou a uma melhora na vida econômica dos negros, foram as politicas de ação afirmativa, que só chegaram efetivamente ao Brasil bem recentemente.

Por que demorou a chegar no Brasil?

Nos anos 1960, estávamos entrando na ditadura militar. Muitos dos movimentos organizados eram considerados subversivos e, consequentemente, perseguidos pelos militares, o que aconteceu com algumas agremiações negras e estudantis, já que parte das discussões se davam no âmbito acadêmico. No final dos anos 1970, com a política de reabertura de Geisel, surge o Movimento Negro Unificado, no centro de uma das maiores manifestações raciais no Brasil, em 7 de julho de 1978, na escadaria do teatro municipal de São Paulo.

Foi por iniciativa do Movimento Negro Unificado que houve a criminalização do racismo em lei promulgada em 1989. Com a redemocratização, nos anos 1980 e 1990, houve o aumento da participação da sociedade civil nas questões de Estado, o que inclui a questão negra. São exemplos o primeiro Conselho de Participação da Comunidade Negra (CPDCN), instituído em São Paulo no ano de 1984, pelo governador Franco Montoro, e a criação da Fundação Cultural Palmares, em 1988, pelo Governo Federal. 

Fernando Henrique Cardoso instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, em 1995, e durante o governo Lula em 2003 foi instituída a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial. Foi nesse período, também, que houve aprovação da “lei de cotas” (2006).